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quarta-feira, agosto 09, 2006

A Paixão é a Cegonha Vil do Amor

O Amor chega, quando a Paixao abandona.

Sempre é bom falar do amor. Por amor, in amor, by amor.

Amor é substantivo que combina com todas as preposições, cria contextos de forma natural. Ao amor, Ante o amor, Após a paixão, Até que se descubra seu verdadeiro significado, Com dor ou não, Contra todas as coerências teóricas, Desde Que apenas sentido, Entre duas ou mais pessoas, Para o outro, Pra dentro de si mesmo, Perante todas as circunstâncias, Sem pudores, Sob algo que não se tem controle, Sobre todos os temas relacionados a ele, Trás contigo e verás que devassa ele te fará.

Por ou pelo, o amor tem a característica de uma elípse, aquele sentimento desperto e todo misturado que nos bloqueia. Sai torto e desengonçado, falta tradução, recalca, omite. A comunicação não-verbal é o primeiro passo da sua manifestação. Não sai, não adianta. Por mais que se tente transformar essa angústia em palavras, ditas, não representarão nem a sobra da palavra procurada, na tentativa de um rótulo ou definição.

No máximo vem um anacoluto, um texto que não se conclui, um sorriso amarelo, metade de uma frase que termina em "deixa pra lá."

Coitadas das hipérboles e dos pleonasmos tão rústicos, tão espontâneos e impulsivos.

O amor unido à admiração nos traz aliteração, repetimos, repetimos para nós e para os outros tudo o que se vê de maior, no outro ou no efeito de nós mesmo, nele.
Amor discreto ou proibido vem cheio de silepses. Que o outro entenda, se esforce, porque só o locutor sabe o que sente.

O amor ocidental é assíndeto, porque ao invés de E, ele é o preferido das antíteses. Dicotômicos e excludentes, as relações se fazem pelo OU.

Agora falemos de amar.... sem preposições e sem figuras de linguagem...

O Amor é broxante, mesmo.
A maioria das pessoas procura a Paixão.

A Paixão não parece mais do que uma necessidade egocêntrica de ilusão sem abstração. Um espelho raso, um bate-e-volta sempre distorcido e insuficiente. A experimentação de si mesmo, um rascunho exigente e impossível, proposital daqueles que não querem se envolver, ter um vínculo amoroso real.

Amar não tem a ver com desespero, desconsolo, desamparo. Para amar é preciso preparação, amadurecimento... e serenidade... e tolerância... e equilíbrio.

Sofremos quando olhamos para nós, dentro da relação, sobre as nossas necessidades e faltas (não-expressas para o outro). O que esperamos e não pedimos, não demonstramos, não permitimos, mas intimamente queremos.

Deveríamos ficar êxtasiados quando olhássemos para as sensações saciadas do outro. Para as surpresas, a alegria natural decorrente de nossas ações.

O Amor entra com tudo quando a vaidade nos abre uma frestinha para a felicidade do outro, e assim, temos o reconhecimento de nossa sensibilidade e esforço para isso.

A Paixão é vaidosa. Impiedosa e não sente culpa. Ela não se conforma com nenhuma demonstração de afeto que não esteja diretamente ligada a ela.

O Amor é generoso, paciente, potente, mas com fama de passivo. Ele tenta ser amigo da Paixão, mas ela dedica toda o seu tempo útil, sua vida inteira, a destruí-lo, fazer sangrar; até a sua morte - ou a sua fuga - ele a observa, anota, aconselha. Não tem pressa para agir. Vai preparando o colo, o ombro amigo para o vitimado daquela amiga tão sedutora, insegura e inexperiente.

Ela corre, sai batendo as portas, larga tudo pelo meio, desiste e fala mal. Não assume sua culpa e deprecia tudo o que falsamente elogiava. Ela carrega seu espelho e leva emprestada a auto-estima já gasta do outro. Não se importa de carregar lataria velha, vende para qualquer ferro velho, queima, afoga. E procura um novo bife suculento, cru e sem tempero para atrair.

Aí que nasce e chega o Amor. Sem pretensão, limpo e fresco. Força a faxina, a reforma dos cômodos e põe cor no ambiente fúnebre, empoeirado, sangrento. Apanha muito, sofre discriminação e forte desconfiança por suas intenções. É comparado, castrado, reprimido, humilhado. Mas fica ali, seguro e persistente porque sabe que a única coisa a fazer é se apresentar, crescer, libertar e ser livre.