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domingo, maio 30, 2004


dolls Posted by Hello

cambiria Posted by Hello
"Lá vem o amor nos dilacerar novamente..."

Pequenas Epifanias
Caio Fernando Abreu

Dois ou três almoços, uns silêncios.
Fragmentos disso que chamamos de “minha vida”.

Há alguns dias, Deus – ou isso que chamamos assim, tão descuidadamente, de Deus –, enviou-me certo presente ambíguo: uma possibilidade de amor. Ou disso que chamamos, também com descuido e alguma pressa, de amor. E você sabe a que me refiro.
Antes que pudesse me assustar e, depois do susto, hesitar entre ir ou não ir, querer ou não querer – eu já estava lá dentro. E estar dentro daquilo era bom. Não me entenda mal – não aconteceu qualquer intimidade dessas que você certamente imagina. Na verdade, não aconteceu quase nada. Dois ou três almoços, uns silêncios. Fragmentos disso que chamamos, com aquele mesmo descuido, de “minha vida”. Outros fragmentos, daquela “outra vida”. De repente cruzadas ali, por puro mistério, sobre as toalhas brancas e os copos de vinho ou água, entre casquinhas de pão e cinzeiros cheios que os garçons rapidamente esvaziavam para que nos sentíssemos limpos. E nos sentíamos.
Por trás do que acontecia, eu redescobria magias sem susto algum. E de repente me sentia protegido, você sabe como: a vida toda, esses pedacinhos desconexos, se armavam de outro jeito, fazendo sentido. Nada de mal me aconteceria, tinha certeza, enquanto estivesse dentro do campo magnético daquela outra pessoa. Os olhos da outra pessoa me olhavam e me reconheciam como outra pessoa, e suavemente faziam perguntas, investigavam terrenos: ah você não come açúcar, ah você não bebe uísque, ah você é do signo de Libra. Traçando esboços, os dois. Tateando traços difusos, vagas promessas.
Nunca mais sair do centro daquele espaço para as duras ruas anônimas. Nunca mais sair daquele colo quente que é ter uma face para outra pessoa que também tem uma face para você, no meio da tralha desimportante e sem rosto de cada dia atravancando o coração. Mas no quarto, quinto dia, um trecho obsessivo do conto de Clarice Lispector – Tentação – na cabeça estonteada de encanto: “Mas ambos estavam comprometidos. Ele, com sua natureza aprisionada. Ela, com sua infância impossível”. Cito de memória, não sei se correto. Fala no encontro de uma menina ruiva, sentada num degrau às três da tarde, com um cão basset também ruivo, que passa acorrentado. Ele pára. Os dois se olham. Cintilam, prometidos. A dona o puxa. Ele se vai. E nada acontece.
De mais a mais, eu não queria. Seria preciso forjar climas, insinuar convites, servir vinhos, acender velas, fazer caras. Para talvez ouvir não. A não ser que soprasse tanto vento que velejasse por si. Não velejou. Além disso, sem perceber, eu estava dentro da aprendizagem solitária do não-pedir. Só compreendi dias depois, quando um amigo me falou – descuidado, também – em pequenas epifanias. Miudinhas, quase pífias revelações de Deus feito jóias encravadas no dia-a-dia.
Era isso – aquela outra vida, inesperadamente misturada à minha, olhando a minha opaca vida com os mesmos olhos atentos com que eu a olhava: uma pequena epifania. Em seguida vieram o tempo, a distância, a poeira soprando. Mas eu trouxe de lá a memória de qualquer coisa macia que tem me alimentado nestes dias seguintes de ausência e fome. Sobretudo à noite, aos domingos. Recuperei um jeito de fumar olhando para trás das janelas, vendo o que ninguém veria.
Atrás das janelas, retomo esse momento de mel e sangue que Deus colocou tão rápido, e com tanta delicadeza, frente aos meus olhos há tanto tempo incapazes de ver: uma possibilidade de amor. Curvo a cabeça, agradecido. E se estendo a mão, no meio da poeira de dentro de mim, posso tocar também em outra coisa. Essa pequena epifania. Com corpo e face. Que reponho devagar, traço a traço, quando estou só e tenho medo. Sorrio, então. E quase paro de sentir fome.

O Estado de S. Paulo, 22/04/86.

sexta-feira, maio 28, 2004

Algo mais otimista

Pôr-do-sol na Lagoa, chá quente, cachicol como o cobertorzinho do Lino-rs
'O ser humano é um ser sociável' é a primeira aula em Estudos Sociais. Num dia sei 4 nomes, noutro mais 6, mais 10 e assim formamos uma família do desalento. Frequentamos aos pubs ingleses,irlandeses e dançamos forró ao mesmo tempo. O frio ainda é experimental-rs
Há lugares em q vc consegue se divertir sem gastar nada. Esse é um deles.
O amor corre como um chimarrão na roda, como uma flor em antigos bailes de carnaval.
Tive a proposta de me tornar vegetariana. Acho q quase acreditei nisso.
Os bom-dias são verdadeiros, como um pedido de sobrevivência e um agradecimento pela amizade.
Hoje chegam os aventureiros. Tem praia, tem gente se preparando pra isso.
A amargura perdeu. E farei tudo o q puder para manter-me assim como a água: solvente universal, em constante movimento e depois das fortes ressacas, ainda transparente.

quinta-feira, maio 27, 2004

Porque o fracasso é o começo de tudo

quarta-feira, maio 19, 2004

An European Way

Tô me sentindo com esse cachicol!!
Basicamente uma Virginia Woolf subdesenvolvida-rs
E caí na besteira de comprar ioio mix quando a temperatura caí pra 7ºC.
O negócio fica empedrado de frio! Perdi todos os canudinhos-rs

Viajar por viajar ou viajar pra sobreviver sem ressentimentos é o q dá pra se tirar do filme sobre o Che.
Para estar perto é preciso ver longe
Nem soube o q dizer.
Até porque sentia um frio na alma.
Uma saudade triste, daquelas derrotadas.
Uma mensagem, uns telefonemas, uma má notícia.
E ele longe.
Longe de quem se importava e de quem talvez precisasse dele.
Nem soube o q dizer.
Aquele frio que entrava pelos olhos e doía na carne.
Aquela tristeza pelo o q não conseguiu conhecer.
Uma necessidade de pesquisa, de entender alguma coisa deste mundo.
Nem sabia ao certo do que precisava.
Pediu desculpas ao amigo pela distância. "Estou contigo!"
'Como é bom conviver com os seres humanos'.

P q as pessoas faziam questão de arrancar com a unha o resto de esperança que havia nos que inventavam sonhos?

Acordou chorando e se manteve assim.
Já não tinha mais vergonha de chorar em público, pq mesmo q sem consciência, as pessoas sentiam culpa por não quererem fazer nada pelas outras.
'Qta injustiça não?'
Que covardia deixarem pessoas passarem frio naquele relento.
Ainda bem q aquele frio era só físico, pq havia um espírito de comunidade muito maior naquelas pessoas. Que tinham cachorros. E cachorros q eram livres e fiéis por vontade.Que exercitavam o amor. Pq não havia interesse, nem apego. E que eram honestos consigo mesmos. Não se submetiam 'às regras do mercado'.

quarta-feira, maio 12, 2004

Vou precisar conversar com o Cony, pra saber como é que a gente faz qdo nosso maior companheiro morre...

Tentação
Clarice Lispector

Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.
(...) Que fazer de uma menina ruiva com soluço? Olhamo-nos sem palavras, desalento contra desalento. Na rua deserta nenhum sinal de bonde. Numa terra de morenos, ser ruivo era uma revolta involuntária. Que importava se num dia futuro sua marca ia fazê-la erguer insolente uma cabeça de mulher? Por enquanto ela estava sentada num degrau faiscante da porta, às duas horas. O que a salvava era uma bolsa velha de senhora, com alça partida. Segurava-a com um amor conjugal já habituado, apertando-a contra os joelhos.

Foi quando se aproximou a sua outra metade neste mundo, um irmão em Grajaú. A possibilidade de comunicação surgiu no ângulo quente da esquina acompanhando uma senhora, e encarnada na figura de um cão. Era um basset lindo e miserável, doce sob a sua fatalidade. Era um basset ruivo.

Lá vinha ele trotando, à frente da sua dona, arrastando o seu comprimento. Desprevenido, acostumado, cachorro.

A menina abriu os olhos pasmados. Suavemente avisado, o cachorro estacou diante dela. Sua língua vibrava. Ambos se olhavam.

Entre tantos seres que estão prontos para se tornarem donos de outro ser, lá estava a menina que viera ao mundo para ter aquele cachorro. Ele fremia suavemente, sem latir. Ela olhava-o sob os cabelos, fascinada, séria. Quanto tempo se passava? Um grande soluço sacudiu-a desafinado. Ele nem sequer tremeu. Também ela passou por cima do soluço e continuou a fitá-lo.

Os pêlos de ambos eram curtos, vermelhos.

Que foi que se disseram? Não se sabe. Sabe-se apenas que se comunicaram rapidamente, pois não havia tempo. Sabe-se também que sem falar eles se pediam. Pediam-se, com urgência, com encabulamento, surpreendidos.

No meio de tanta vaga impossibilidade e de tanto sol, ali estava a solução para a criança vermelha. E no meio de tantas ruas a serem trotadas, de tantos cães maiores, de tantos esgotos secos - lá estava uma menina, como se fora carne de sua ruiva carne. Eles se fitavam profundos, entregues, ausentes do Grajaú. Mais um instante e o suspenso sonho se quebraria, cedendo talvez à gravidade com que se pediam.

Mas ambos eram comprometidos.

Ela com sua infância impossível, o centro da inocência que só se abriria quando ela fosse uma mulher. Ele, com sua natureza aprisionada.

A dona esperava impaciente sob o guarda-sol. O basset ruivo afinal despregou-se da menina e saiu sonâmbulo. Ela ficou espantada, com o acontecimento nas mãos, numa mudez que nem pai nem mãe compreenderiam. Acompanhou-o com olhos pretos que mal acreditavam, debruçada sobre a bolsa e os joelhos, até vê-lo dobrar a outra esquina.

Mas ele foi mais forte que ela. Nem uma só vez olhou para trás.

in "Felicidade Clandestina" - Ed. Rocco - Rio de Janeiro, 1998

segunda-feira, maio 10, 2004


Riscos
Goethe

Do que adianta você ter esta alma colada aos ossos dessa carne errada?
Sem o risco, a vida não vale a pena.
Se você não quiser arriscar, não comece.
Isso quer dizer: se você arriscar, perder namorada, esposa, filhos, emprego, a cabeça, e até a alma.
Mas, é sempre melhor isso do que olhar pra todas essas outras pessoas que nunca acertam porque nunca se propõe ao risco.
Cobaia Voluntária

É por isso que escrevo. É por isso que vivo.
Quero registrar as neuras da minha geração. Para uma análise histórica e psicológica do meu tempo.
Nossa, pensando bem, acho q não sou a mais indicada pra isso.
Passei 3 vezes na fila da neura-rs
Se alguém puder escrever aqui comigo eu agradeço, pq é muito mico escrever sempre sozinha.
É como o ator que tem dor-de-barriga no meio de um monólogo.
Num há improviso que aguente.

domingo, maio 09, 2004

Sobre Família...

Esse parece ser o vínculo mais problemático da maioria das pessoas. No espiritismo eles até costumam dizer que são pessoas que reencarnam para resolver coisas fortes quem não conseguiram em outras vidas. Geralmente foram inimigos, traidores, tiranos e hoje têm a chance de evoluir e se perdoarem. O dia-a-dia é visto como um exercício de tolerância.
Já no budismo a coisa parece ser mais light, o amor já é incondicional. É o amor que não pede correspondência, que deixa fluir como um rio. Que não importa o quanto a pessoa é ruim, vc vai amá-la sem julgamentos. E vai agir conforme sua consciência.

A família só tem o amor presente por causa da convivência que é mantida.
Passei a pensar que o amor é como balões com neon que estão soltos pelo ar. É necessário que no mínimo duas pessoas estejam dispostas a estourá-los com a barriga, num abraço forte, como nas gincanas infantis.
Esses balões de amor circulam... por isso é necessário estar perto, conviver com os parceiros da gincana.
Render-se às chantagens da família e da velhice é como se entregar às paixões daquelas mesquinhas, pegajosas.
Não concordo que se deva estar presente incondicionalmente. Porque fazer isso é passar a mão na cabeça e consequentemente enfraquecer aos pais, aos filhos.
O respeito não é só passivo. Ele deve agir sem piedade quando for necessário um afastamento forçado para que algumas sementes sejam plantadas no solo do sentimento verdadeiro.
Amar é pensar só no outro. E ser amado é deixar livre para ser escolhido e lembrado.
Num dá pra forçar o amor por osmose. Ele não consegue vir assim, em estado bruto.
O amor é a paixão e a compaixão filtrados.
É preciso ter sobrando para compartilhar, estar sereno para enxergar o outro. Antes disso, tudo parece auto-afirmação, recalque, reconhecimento.
'Dia das Mães' é comercialismo!!!

E vc acreditou que era um dia especial?


Não vá me 'pagar o mico' de ir ao shopping para lembrar que tem/tinha mãe!-rs

sexta-feira, maio 07, 2004

Sobre blogger...

Espero nunca cometer o "erro" de deixar aparecer quem são as pessoas do meu convívio. Até porque tudo o q digo, no geral, é mais o que vem da minha mente "criminosa" e do mix das coisas que leio, vejo, escuto e assisto do que de fontes específicas e reais.
Não há nada mais decepcionante do que estar interessada em alguém e descobrir que a pessoa expõe os amigos, as relações íntimas em troca de um texto de internet.
Sempre penso como ainda não tirei essa página do ar. Até nota zero já me deram-rs
E merecidamente!
É uma nova forma íntima de se comunicar. É como páginas de diário que podem ser lidas pelos pais de adolescentes conturbadas.

O que acho mais interessante nos bloggers, é que mesmo as pessoas que são mais inseguras e sem grandes convicções - como eu - são as que se tornam mais carismáticas e interessantes neste novo "veículo".

É bom encontrar pessoas, também pela net, que conseguem ver um pouquinho além das próprias vidinhas e que tentam através de caminhos mais árduos serem honestas para alguém.

Não vou ficar ensaiando de encerrar este blogger, porque seria como pedir confete em final de carnaval ou agir como aquela banda ruim de rock que deixa as músicas melhorzinhas para o bis...rs

Vai que ninguém pede bis e a coisa morre de ultrapassada...

terça-feira, maio 04, 2004

Clichês
Nossa, definir as coisas como clichês é uma coisa arrogante né?
Quero me redimir: vou fazer um texto para homenagear os clichês!
Será que você ainda pensa?
Todas musiquinhas clichês começam com "chove lá fora"-rs
Como eu já não sei mais o que é fora - porque só vivo o de dentro e não me importo mais com o lado de fora - acho q hoje tá chovendo, relampiando, aqui dentro.
Como é bom ser livre para fazer escolhas, criar alternativas de tudo que já foi visto.
O eterno retorno a que Nietzsche se referia.
Como aquele fotógrafo que batia fotos da sua rua por 20 anos e que as pessoas não notavam a diferença do tempo, das estações, das sutis e eternas mudanças.
O que é azul para mim, pode ser visto como vermelho e interpretado como azul pra vc.
Eu posso passar horas tentando te convercer que isto é azul e vc não achar nenhuma estranheza, mesmo que veja o que é vermelho pra mim. E nunca iremos saber de verdade o que vemos.Ou melhor, o q seria a verdade ou até mesmo se vemos.
A ambigüidade da literatura é que me pulsa a esboçar sorrisos, inventar sonhos que não são meus.
Poucos o entenderam...
"Será que vc ainda pensa em mim?
Será que vc ainda... pensa?"

Domingo senti você passar... mesmo que esta não seja a sua cidade, que a possibilidade seja mínima e que você estivesse fora do meu orbital, desviei o olhar porque meus nervos não aguentariam mais essa pressão.
Como se o que eu via fosse desmanchar como espuma pisada.
Decidi não olhar para atrás e pela última vez te perdi.

domingo, maio 02, 2004

Barbie Mal-Amada

Barbie e Ken rompem relacionamento
Depois de 43 anos, Barbie e seu namorado Ken romperam o relacionamento. O anuncio foi feito ontem por Russell Arons, vp de marketing da Mattel, fabricante dos bonecos. Parodiando os discursos de porta vozes de casais famosos, assegurou que os dois "permanecem bons amigos". A 'noticia' coincide com o lançamento da Cali Girl Barbie, versao da boneca inspirada nas garotas da California. Veste short, sutian de biquini e tem a 'pele' bronzeada. O executivo sugeriu que, no final do 2o semestre, outro homem pode surgir na vida da boneca. Com noticiario da AP e da France Presse. 13/02
O Papa é Cult
Palavras do Papa, segundo a agência EFE/ Último Segundo IG:

"Vocês são ordenados padres em uma época na qual fortes tendências culturais tentam fazer com que os jovens e as famílias esqueçam Deus. Mas não tenham medo, Deus estará sempre com vocês".
"Se vocês estiverem cheios de Deus, serão verdadeiros apóstolos da nova evangelização", afirmou.
A Fábrica do Poema
(Adriana Calcanhoto e Waly Salomão)

Sonho o poema de arquitetura ideal
Cuja própria nata de cimento
Encaixa palavra por palavra, tornei-me perito em extrair
Faíscas das britas e leite das pedras
Acordo
E o poema todo se esfarrapa, fiapo por fiapo
Acordo
O prédio, pedra e cal, esvoaça
Como um leve papel solto à mercê do vento e evola-se
De cinza de um corpo esvaído de qualquer sentido
Acordo, e o poema-miragem se desfaz
Desconstruído como se nunca houvero sido
Acordo !
Os olhos chumbados pelo mingau das almas e os ouvidos moucos
Assim é que saio dos sucessivos sonos
Vão-se os anéis de fumo de ópio
E ficam-me os dedos estarrecidos
Metonímias, aliterações, metáforas, oxímoros
sumidos no sorvedouro
Não deve adiantar grande coisa permanecer à espreita
do topo fantasma da torre de vigia
Nem dormir deveras
Pois a questão chave é:
Sob que máscara retornará o recalcado?

sábado, maio 01, 2004

Eu tenho um mundo já construído, mas não dá tempo de fazer isso fora da minha cabeça.
"Falta dinheiro, falta sexo, falta poesia!"

Em contrapartida, o dia-a-dia tem-me roubado algumas lágrimas em filas de supermercado, na rua, em qualquer lugar que há vida. Sabe aquelas lágrimas que saltam no meio do nada? É assim que não-reajo diante das mazelas do mundo.

De noite vi um idoso - de sexo identificável - que acho que ainda não foram criadas as palavras para se identificar o tipo de deficiência dele. Mal falava, era corcunda, os olhos fechados, um andar comprometido, respirava com a dificuldade de alguém que tivesse um ataque pilético constante.
Todos que o viram deram-lhe um trocado (detalhe: ele não estava pedindo).
Ele foi ao corredor de doces e escolheu um pacote de biscoitos. Até o rapaz que trabalhava no caixa pediu para que ele passasse sem pagar porque ficaria por sua conta.

Agora te pergunto: você acha que as pessoas deram-lhe dinheiro porque sentiram inveja da força que aquele(a) senhor(a) - que dava um tapa na cara de toda aquela hipocrisia - tinha pra escolher seu pacote de biscoitos preferido?

Eu acredito que as pessoas só fizeram isso exclusivamente por medo do "castigo" por tudo que não fazem de bom diariamente. Por tudo que são e pelo o que deixam de fazer no nível de consciência que vão adquirindo.

Esse fato fez-me lembrar automaticamente de outro que ocorreu na hora do almoço.
Dentro de uma lanchonete um menino de uns 12 anos, perfeito e bem vestido abordava todas as pessoas que entravam e dizia: "Sr. o que posso fazer para ganhar 1 real?"

Adivinha o que ele precisava fazer?
"Nada. Eu te dou sem que você precise fazer nada querido."
"Não precisa nada não. Tó o dinheiro"

E adivinha o que ele foi fazer com o dinheiro?
Comprar cortante para pipa.

Noutro dia, vi uma fila de dobrar quarteirões num banco, um senhor sendo mal atendido numa cadeira de rodas por ter deficiência na fala enquanto uma roda de mulheres ficava em cima de uma menina de uns 5 anos que esboçava pensamentos.
"Que bonitinha!"

Voluntariado não é ir no final de um domingo visitar idosos ou crianças abandonadas, é sair voluntário de casa, e também ao estar dentro de casa. Com alguém ou com algo.
As plantas precisam também de sorrisos.

Aliás o "alma penada" - que é a forma como as pessoas o chamam aqui no bairro - é aposentado e chama-se Sra. Socorro.