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terça-feira, março 30, 2004

Preciosidade
Clarice Lispector
(...)
Foi para o lavatório. Onde, diante do grande silêncio dos ladrilhos, gritou aguda, supersônica:
- Estou sozinha no mundo! Nunca ninguém vai me ajudar, nunca ninguém vai me amar! Estou sozinha no mundo!

Estava ali perdendo também a terceira aula, no longo banco do lavatório, em frente a várias pias. "Não faz mal, depois copio os pontos, peço emprestado os cadernos para copiar em casa - estou sozinha no mundo!", interrompeu-se batendo várias vezes a mão fechada no banco. O ruído dos quatro sapatos de repende começou como uma chuva miúda e rápida. Ruído cego, nada se refletiu nos ladrilhos brilhantes. Só a nitidez de cada sapato que não se emaranhou nenhuma vez com outro sapato. Como nozes caindo. Era só esperar como se espera que parem de bater à porta. Então pararam.

Quando foi molhar os cabelos diante do espelho, ela era tão feia.

Ela possuía tão pouco, e eles haviam tocado.

Ela era tão feia e preciosa.

Estava pálida, os traços afinados. As mãos, umedecendo os cabelos, sujas de tinta ainda do dia anterior. "Preciso cuidar mais de mim", pensou. Não sabia como. A verdade é que cada vez sabia menos como. A expressão do nariz era a de um focinho apontando na cerca.

Voltou ao banco e ficou quieta, com um focinho. "Uma pessoa não é nada." "Não", retrucou-se em mole protesto, "não diga isso", pensou com bondade e melancolia. "Uma pessoa é alguma coisa", disse por gentileza.

Mas no jantar a vida tomou um senso imediato e histérico:

- Preciso de sapatos novos! Os meus fazem muito barulho, uma mulher não pode andar com salto de madeira, chama muita atenção! Ninguém me dá nada! Ninguém me dá nada! - e estava tão frenética e estertorada que ninguém teve coragem de lhe dizer que não os ganharia. Só disseram:

-Você não é uma mulher e todo salto é de madeira.

Até que, assim como uma pessoa engorda, ela deixou, sem saber por que processo, de ser preciosa. Há uma obscura lei que faz com que se proteja o ovo até que nasça o pinto, pássaro de fogo.

E ela ganhou os sapatos novos.

quinta-feira, março 25, 2004

Hoje pude começar a entender o ínicio do novelo de lã de que somos feitos.
Da crechê à Previdência, o homem não se difere dos animais em nada.
Como os filhotes que saem inseguros da casca.
Como os anciões que se arriscam por já estarem no final da linha.

quarta-feira, março 24, 2004

Olá amigos! Desculpem-me pelo sumiço, mas meu micro está com vírus e desconecta a cada minutooooooooooooooo... (caiu).
Voltarei em breve!!

Um grande beijo!

quinta-feira, março 04, 2004

Acontece
Cartola
Esquece nosso amor vê se esquece
Porque tudo no mundo acontece
E acontece que já não sei mais amar
Vai chorar vai sofrer
E você não merece
Mas isso acontece
Acontece que meu coração ficou frio
E nosso ninho de amor está vazio
Se eu ainda pudesse fingir que te amo
Ai se eu pudesse
Mas não quero, não devo fazê-lo
Isso não acontece
Grito de Alerta
Gonzaguinha

Primeiro você me azucrina
Me entorta a cabeça
e me bota na boca
um gosto amargo de fel
Depois vem chorando desculpas
assim meio pedindo
querendo ganhar
um bocado de mel
Não vê que então eu me rasgo
engasgo, engulo
reflito e estendo a mão
E assim nossa vida
é um rio secando
as pedras cortando
eu vou perguntando
até quando?
São tantas coisinhas miúdas
roendo, comendo
arrasando aos poucos
com o nosso ideal
São frases perdidas num mundo
de gritos e gestos
num jogo de culpa
que faz tanto mal
Não quero a razão pois eu sei
o quanto estou errado
e o quanto já fiz destruir
Só sinto no ar o momento
em que o copo está cheio
e que já não dá mais pra engolir
Nosso caso é uma porta entreaberta
Eu busquei a palavra mais certa
Vê se entende o meu grito de alerta
Veja bem
É o amor agitando meu coração
Há um lado carente dizendo que sim
E essa vida da gente gritando que não

quarta-feira, março 03, 2004

O telefone toca, seu amigo acaba de falecer.
Que merda que é essa vida!!
A gente só vê sentido, qdo alguém se vai.
Tô arrasada só com a possibilidade de que isso venha a acontecer... e que falte uma palavra, que se esqueça de ser dito em vida tudo o q a pessoa representou para vc e o qto ela contribuiu na sua existência.
Há pessoas que são anjos.
Egoísmo o suicídio.
Daria minha vida pelas pessoas fiéis e tentaria recuperá-la pela fidelidade alheia.
Viver é uma responsabilidade com os outros. E viver bem é o q fará com q esses 'outros' tb sejam mantidos.
Os cachorros que morrem durante nossa infância são uma amostra grátis de sofrimento, uma preparação pras cacetadas q vêm depois.

segunda-feira, março 01, 2004

'Insights' geram bebês

Há tempos q não deitava exclusivamente para ler um livro. Sei mais de livros q nunca li, dos q li apenas algumas páginas.
Qdo começo um livro q sinto q vou chegar até o final, já começo a sofrer por antecipação, pq sei q aquela magia vai acabar e depois de fechada a última página, terei q voltar para o mundo.
Mas hj especificamente, por coincidência me caiu um livro da Clarice nas mãos! Enfim, vou lê-la até o fim. Pelo menos era o q achava até 10 minutos atrás.
Por ela seria até bissexual-rs
Nossa, q elogio mais grotesco! Aliás, por qualquer amigo meu o seria.
Seria homem para um outro homem, homem ideal para as mais exigentes. Seria pai, seria amante, seria a menina de olhos amendoados e cabelos lisinhos e naturais para outros. Seria a virgem do altar, ou seria Deus que faz cafuné em dias de chuva.
Com meus amigos, q fui escolhendo ao longo da vida, teria a confiança de ter filhos, de tentar ser feliz juntos. Mas só assumirei esse meu lado sem sexo, assim como os anjos, qdo me sentir apta e voluntária a ser gente grande.
Por enquanto vou treinando com homens estranhos e substituíveis-rs

Mas voltando à Clarice... estava reparando q o ato da escrita se dá por um insight, que começa a ser elaborado até puxar outro e assim sucessivamente. O problema é q há autores que não desenvolvem bem isso e vc para no meio da leitura. Alguns vc até tenta diversas vezes, pq são nomes tão "conceituados" por este universo 'cult' q vc não se conforma de não ter suportado o cara.

É só um insight, que leva a outros.
Assim como a vida.
Paixão é um insight. Que te leva a elaborar o livro. Então vc acorda bem, conversa com plantas, sente o sol, lembra dos pequenos detalhes... vai moldando o dia-a-dia, lembra de praia, de mato, de pescaria, de família, de sentir o cheiro de pão quente.
Mas tudo isso é só passatempo até q o livro se acabe.
Ufa! O livro termina. Dói. A magia pode até ficar por mais um tempo, mas vc sabe q se relê-lo não será como na primeira vez. Mesmo q passem anos, vc sabe como termina aquela história. Vai tentar sentir alegria ao entender detalhes q passaram despercebidos, mas sabe como aquilo vai terminar.
E se desespera. Por saber q tudo isso é inevitável.