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sábado, julho 24, 2004


Enquanto houver burguesia, não vai haver poesia

Começa o final de semana sem muitas expectativas, e na rua temos um palhaço pintado e transformado junto a um anão com alguma roupa colorida, ambos na porta de uma loja que liquida móveis. Os comentários são sempre os mesmos: nossa, que sacada colocar este anão, chefe!
Do outro lado, um querubim não entende qual a graça de haver um anão de olhos tristes pro consumo. De ser anão não só naquele dia festivo, mas ser um daqueles indivíduos que só conseguem sobreviver explorados por suas próprias desgraças.
Do outro lado da rua, um garoto de 10 anos captura um pombo. Ele passou a manhã toda lutando por isso e assim que segura o pombo com as mãos não sabe bem ao certo o que fazer. Estrangular ou arrancar-lhe uma pena para mostrar aos amiguinhos sua conquista?
Mas ele tem apenas 10 anos. E ter 10 anos é pressuposto de que ele apenas reproduz o que vê nos adultos.
Ele é um pequeno burguês, criado por adultos burgueses.
O que é claro nas relações de sempre: pais que prendem seus filhos, que distraem suas crianças com DVDs que nada têm a dizer. Que nada ensinam, apenas distraem.
Distrair-se é o que mais as pessoas sabem fazer.
Relações regadas a hipocrisia, culpa e cobranças. O amor contratual.
Estariam ainda juntos? Ou o contrato já fora rescindido?
Há também o contrário: ligam todas as noites para dizer, ou mentir, quantas vezes ao dia pensam naqueles que tb se amarraram a si, na hipocrisia que dança e reproduz o contar dos dias para se reverem, enquanto apenas sentem-se livres em roda de amigos. Querem números e certezas.
Aos 10 anos de idade, aquele menino não sabe que o segura nas mãos, não tem dono. Que ele poderá matá-lo aos poucos para tentar possuí-lo, mas é apenas um pombo livre, que precisa se alimentar e tomar sol todos os dias.
E qto ao pombo, vêm-me Zeca Baleiro: "Eu vejo os pombos no asfalto, eles sabem voar alto, mas insistem em catar as migalhas do chão".
E continuemos a aplicar ação e reação na mesma proporção, a sermos coerentes, a dizer apenas o que temos certeza, para não cairmos no ridículo de passar por insanos, infantis ou românticos patéticos. Porque o sistema nos quer obedientes. 

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